CONTATOS

Graças a Deus a minha felicidade não depende da tristeza alheia. Não preciso destruir a vida de ninguém para construir a minha.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Um churrasco, várias cervejas, um gravador e a Gabi

César e Mariana namoravam há quatro anos. Ele é executivo de finanças; ela estuda Medicina na UFSC. Foram passar o dia na Praia de Ibiraquera.
As ondas no canto esquerdo, o visual da lagoa, a Praia do Luz ao fundo, a estradinha para o Rosa. Tudo perfeito, exceto por aquela noite e aquele gravador.
Os dois foram ao encontro de um casal de amigos que mora em São Paulo e migra para cá no verão. Um churrasco na casa de frente para o mar, petiscos e muita cerveja. Lá pelas tantas, o estoque etílico já acusava baixa.
– Vamos buscar mais cerveja – disse César ao amigo Lucas, já passando a mão na carteira e na chave do carro.
– Não, amor. Pode deixar que nós vamos! – gritou Mariana.
Ela foi até a sala com a amiga Fernanda, mulher de Lucas. As duas estavam tão decididas que eles, preguiçosamente, não argumentaram. Aproveitando o momento a sós, César refestelou-se na poltrona de couro da sala e contou a novidade:
– Cara, preciso te contar uma coisa. Conheci uma gaúcha linda no Riozinho, em Floripa. A Mari tinha evento da área médica a semana inteira. Um dia depois do encontro, trocamos mensagens e marcamos um jantar na casa dela. Foi demais! O nome é Gabriela. É ruivinha, tem sardas, parece a Carol Trentini.
Lucas, empolgado com a revelação e já com a língua meio adormecida pela quantidade cervejas, incentiva o antigo colega de universidade e ainda elogia a infidelidade do amigo:
– Cara, você é f*! Faz tempo que não dou uma dessas. Tá na hora!
– Oi, voltamos! – anunciou Fernanda.
Ela pede um momento e desloca uma mesinha que estava ao lado da poltrona de couro em que César havia se sentado minutos antes. Eles não entendem. As duas meninas olham para um gravador que estava em cima da mesa. Mariana entrega o equipamento para Fernanda.
– Deixamos este gravador ligado enquanto estávamos fora. Agora vamos ouvir o que os meninos disseram durante a nossa ausência, certo, Mari?
César sentiu o corpo gelado. Mas, se aparentasse desespero, na hora elas iriam perceber que haviam registrado algo importante no gravador. Pensou em alegar invasão de privacidade, mas optou por manter a frieza que tanto valoriza em sua profissão. Em minutos, revisitou o passado naquela casa de praia. Sabia que Mariana era a mulher da sua vida. Depois de tantos anos de namoro, já falavam em filhos. Mas como dizer isso para ela agora? Como explicar que a Gabi não significou nada? Lembrou do corpo da namorada. Era a típica loira natural com mistura brasileira: mignon, cintura fina e bumbum grande. E Gabi, o casinho de verão, não era tão bonita nem tinha os pés lindos como os dela. César lembrou do momento em que poderia ter dito não. Mas agora estava ali, na iminência de perder a mulher com quem esperava passar o resto da vida.
Mariana estava ansiosa. Ela foi a mentora intelectual do plano, embora o gravador fosse de Fernanda. Mari sempre quis provar que as mulheres são mais espertas do que os homens – como se fosse preciso – e adorou a história do gravador. Mas não estava certa sobre o que havia feito. Começou a sentir a pele branca tomada por um rubor incontrolável desde o pescoço, isso sempre acontecia quando ficava nervosa. Os olhos verdes da cor que não existe cintilavam. Olhou para César, Lucas e Fernanda e, sem apertar a tecla play, mergulhou o gravador na água do vaso de tulipas que ocupava parte do espaço na mesinha de centro.
– Vamos comer a sobremesa? – disse.
Só então César e Lucas soltaram o ar dos pulmões. E o churrasco continuou com risadas, piadas internas e outras nem tanto. Exatamente como são os churrascos de casais que se conhecem há muito tempo. No carro, a caminho de Florianópolis, Mariana fez um carinho na nuca de César – ela sempre faz isso enquanto ele dirige. Ele olhou para o lado e viu a namorada linda, cabelos loiros emoldurando o rosto miúdo de traços delicados. Respirou aliviado. Mariana recolheu a mão da nunca do namorado e rebateu o quebra-sol do carro. Queria admirar-se no espelho. Enquanto fazia biquinho para retocar o batom, perguntou, com a voz tranquila:
– Amor, quem é Gabi?

Do blog Samba-Canção.

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